Olhando para o mundo em que vivemos, nos vemos em uma realidade complexa, fragmentada e com muitos desafios e transformações que, muitas vezes, não conseguimos definir e muito menos controlar. Somos cercadas de muitos riscos e incertezas. Além disso, diariamente, recebemos dezenas, centenas de estímulos, opiniões, algumas até em contraposição, promovidas por estruturas ideológicas que se aproveitam dos receios e oferecem, em troca, o controle dos nossos desejos e necessidades. Só que essa oferta generosa e ardilosa não se volta para nossa realização ou saúde integral, mas para o fluxo do mercado, para os benefícios das empresas que dominam o capital.
Nesse contexto amplo e complexo, também estamos diante de uma grande crise política, social, econômica, que chega a questionar a democracia representativa. Ainda como frutos do processo de globalização, também os valores estão desordenados, e a sociedade polarizada, sem discernimentos claros e humanizantes, entregue a uma dinâmica cruel e com muitas ferramentas de perversidade.
Um quadro desolador que nos atravessa e, muitas vezes, nos faz questionar o sentido do viver e até mesmo nossos caminhos de espiritualidades.
Mas, nesse ponto desejamos voltar nosso olhar para o mestre-mistagogo Jesus de Nazaré. Talvez ele olhasse para nós com amor que mergulha na profundidade de nosso ser e dissesse: ‘Minha irmã, meu irmão… e quando foi diferente?’.
Vamos lembrar um pouco como se dá a dinâmica da Revelação para as religiões monoteístas. Aproveitemos para pensar se este processo também ocorre, com suas originalidades, em outras tradições religiosas: o Amor Divino transborda, se expande, se comunica, se revela ao ser humano. O ser humano escuta, pode acolher ou não, mas possui em si mesmo o potencial existencial para essa abertura livre e consciente ao projeto do Amor Divino. Ou seja, em palavras mais simples, Deus fala, toma a iniciativa, e o ser humano responde livremente, acolhendo a proposta divina ou não.
Para que esse diálogo esteja ocorrendo há um movimento entre o Amor Divino que se faz presente na relação com cada ser humano, em seu contexto, em sua realidade pessoal, social e ambiental. A Revelação não se dá em um espaço vazio, mas na própria história da humanidade. E então, não há vivência das espiritualidades distante dos desafios de cada tempo, eles são parte do processo de encarnação, de enraizamento dos caminhos espirituais no mundo. São justamente os caminhos espirituais que oportunizarão os processos necessários de reflexão, de trocas de saberes, de conversas, de orações comunitárias, de ritos voltados para o resgate da integridade do ser humano e do ambiente, de ações sociais, culturais, políticas, religiosas.
O ceticismo religioso ou espiritual também se faz presente nos tempos atuais, e vai conduzindo ao isolamento, à falta de fé no Amor Divino, na história, no ser humano, na política, na saúde. Enfim, vai se alastrando e traz ainda mais adoecimentos pessoais e coletivos.
Portanto, o convite nessa reflexão é, a partir desse diagnóstico, sermos reativos às armadilhas do ceticismo e do isolamento radical e irmos justamente ao encontro dos caminhos de espiritualidades: de matrizes cristãs, afro-brasileiras, orientais, indígenas, espiritismos… Na reflexão do mês passado falamos da importância da comunidade como lugar de espiritualidade, de mistagogia viva.
O que muitos caminhos de espiritualidades nos apontam e possuem em comum? Apontamos aqui alguns valores ético-espirituais que são potentes para dialogarmos de forma saudável com os conflitos de nosso tempo.
- A reflexão pessoal, a contemplação, a meditação, as práticas de deserto, a orientação espiritual, o silenciamento e mergulho na consciência, na corporeidade, na sua história;
- A reflexão comunitária, as rodas de conversa, a oração em comunidade, as celebrações, os rituais, os caminhos de solidariedade e acolhimento;
- As práticas éticas e solidárias na realidade, o diagnóstico das necessidades, a busca de ferramentas, de políticas públicas, de acolhimento pastoral, terapêutico, a orientação espiritual;
- A atenção às armadilhas que nos afastam de nós mesmos e do mundo, através da vigilância ativa, orante e atenta aos interesses presentes no processo de globalizar a indiferença, a intolerância, o individualismo:voltados para que o mercado financeiro mantenha sua centralidade;
- A reação proativa, a construção de estratégias, ferramentas, processos de cuidados pessoais e coletivos para que a resistência, o fortalecimento pessoal e comunitário, o enfrentamento aos conflitos, encontre um lugar referencial e firme;
- A criação e construção de espaços pedagógicos e mistagógicos que nos ajudem a elaborar, nos alimentem e potencializem o encontro com o Amor Divino e a busca de respostas aos conflitos e desafios do seu tempo.
Será que esquecemos que nunca estamos sós? Sim, estamos mergulhados na Graça Divina, cercados pelo Amor sagrado por todos os lados, nos orientando e potencializando o dom da Vida nos caminhos da história.
Não existem respostas fixas, conceitos definitivos, receitas comunitárias. A iniciativa divina e a resposta humana de cada tempo possuem um dinamismo e este é revolucionário e renovador. Novos cenários reivindicam leituras de mundo que conjuguem o aprendido e o herdado, com a criatividade necessária no tempo presente, ou seja, a fé que dialoga com a realidade.
Na dúvida, olhemos para o mestre Jesus, ele sempre nos ajudará a encontrar o caminho, a verdade e a vida!